08/08/2023

Políticas ambientais baseadas em evidências

Políticas ambientais baseadas em evidências

ESTADÃO AZUL

Por Miriam Garcia e Francisco Gandolfi de Tulio

Entre os temas centrais da Cúpula da Amazônia estão o aumento de rastreabilidade das cadeias e a promoção de processos produtivos sustentáveis.

O Brasil detém a maior biodiversidade do planeta e a segunda maior área florestal do mundo. Protegê-las significa garantir os modos de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais, controlar o aumento da temperatura global e combater a perda de biodiversidade para que os ecossistemas se mantenham produtivos, resilientes e adaptáveis. Por isso, bons resultados na economia e na política externa brasileiras passam necessariamente pela liderança do País na agenda ambiental.

Temos uma oportunidade única de mobilização política para proteção das florestas com a Cúpula da Amazônia, que ocorre entre hoje e amanhã em Belém, no Pará. O encontro é visto como um preâmbulo para a COP30, o evento mundial mais importante de mudanças climáticas e que terá a capital paraense como sede em 2025.

A cúpula reúne oito chefes de Estado de países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A ambição é produzir uma declaração de cooperação pan-amazônica, fortalecendo o bloco nas negociações e discussões que estão por vir, como a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e a COP28, nos Emirados Árabes.

Atualmente, na América Latina e no Caribe, a degradação das florestas e o setor agropecuário são responsáveis por mais de 20% das emissões de gases de efeito estufa. A maior parte é causada pela produção de commodities agrícolas, e cerca de 40% do desmatamento em regiões tropicais é impulsionado pela produção e comércio de apenas quatro commodities: gado, óleo de palma, madeira e soja.

Por causa disso, o combate às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade só será possível a partir da construção de uma estratégia de governança ambiental que integre os setores público e privado.

Empresas brasileiras realizaram movimentos iniciais, mas é preciso aumentar a ambição, ou seja, fazer mais em menos tempo. Um primeiro passo é a adoção de mecanismos de governança, pelas empresas, capazes de fazer com que as questões ambientais sejam integradas nos conselhos e cascateadas para toda a organização. Cerca de 57% das empresas brasileiras não têm compromisso ou medidas iniciais de governança para avaliar o impacto da sua cadeia de valor na biodiversidade, segundo levantamento com informações de 374 empresas brasileiras que, em 2022, reportaram seus dados de biodiversidade ao CDP, organização sem fins lucrativos responsável pela maior plataforma de ação ambiental do mundo.

A adoção de esquemas de certificação permite avaliar indicadores de não desmatamento e de conservação da biodiversidade, estimulando melhorias socioambientais nos setores produtivos. Porém somente 47% das empresas que apresentaram informações sobre florestas (22 de 47) adotam um sistema de certificação florestal. A commodity com maior frequência foi a madeira, que tem uma política bastante consolidada no Brasil, com maior capacidade de rastrear e mapear irregularidades na cadeia, algo essencial no combate ao desmatamento ilegal.

No caso da soja e do gado, os resultados são preocupantes. Nenhuma empresa que consome ou produz produtos derivados da soja rastreia mais de 60% de sua produção ou consumo até o nível da fazenda ou plantação. Já no setor de produtos derivados do gado, apenas uma única empresa brasileira é capaz de rastrear mais de 60% de sua produção ou consumo até o primeiro nível de fornecimento – fazenda de cria de bezerros. Em ambos os casos, a ausência de uma política pública robusta de rastreabilidade traz um grande risco, pois as práticas ilegais ocorrem sobretudo no início da cadeia de fornecimento ou produção.

Na cadeia da soja, é comum que cooperativas comprem produtos ligados a desmatamento e, após misturá-los com a produção de imóveis conformes, repassem os grãos para os compradores finais, segundo dados do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Na cadeia da carne há prática semelhante, com fazendas de cria ou recria de gado que produzem animais em área desmatadas e, posteriormente, revendem a fazendas legalizadas (fornecedores diretos), que serão responsáveis pela etapa final do abate e da venda a frigoríficos.

Para o Brasil se tornar uma potência ambiental justa e socialmente inclusiva, o governo federal brasileiro precisará coordenar uma política pública de rastreabilidade robusta, em diálogo com o setor privado, para garantir o cumprimento do Código Florestal e a regularização fundiária das propriedades rurais, protegendo inclusive terras indígenas.

A construção de uma economia próspera deve ser fundamentada no melhor conhecimento científico disponível e na potencialização de uma governança ambiental multinível. A eliminação do desmatamento ilegal, o aumento de rastreabilidade das cadeias, a restauração e proteção dos ecossistemas e a promoção de processos produtivos sustentáveis são temas centrais para a Cúpula da Amazônia, importante espaço para qualificar o debate da COP28, que desponta como a COP da ação (Miriam Garcia e Francisco Gandolfi de Tulio são, respectivamente, diretora associada de Engajamento Político do CDP Latin America e analista de Políticas Pública e Florestas do CDP Latin America; Estadão, 8/8/23)