Pouca inovação pereniza Brasil – Por Marcos Troyjo
A expressão 'potência média' é geralmente utilizada no contexto das relações internacionais em três esferas: a político-militar, a econômico-comercial e a da influência ("soft power').
No primeiro, o status mediano pressupõe atributos de projeção de poder regional, considerável contingente de Forças Armadas convencionais.
No segundo, um PIB per capita abaixo de US$ 20 mil que, se multiplicado por grande população, faz aumentar seu peso relativo na economia global.
No terceiro, uma capacidade de atuar pelo convencimento e pelo exemplo superior a nível meramente declaratório de princípios.
Em todos esses domínios, o Brasil apresenta credenciais de potência média. Tal posição não é zona de conforto. Países que conseguiram ascender na escala de status mundial o fizeram também em razão do "incômodo", é dizer, de não se conformar com a condição —no sentido literal— de mediocridade.
Há, nesse quadro, uma certeza: quanto mais parametrizado por tecnologias vai se tornando o cenário internacional, maior é a potencial da inovação de atuar como instrumento de fuga das camadas medianas.
Na corrida por proeminência internacional, inovar tornou-se o principal critério a propiciar mais poder, prosperidade e prestígio.
Dessa ótica, examinar a competitividade brasileira em nível mundial pelo conteúdo de suas exportações é um bom parâmetro.
Adentraremos 2018 com uma pauta de bens e serviços comercializados ao exterior em termos de produtos tecnológicos, manufaturados, semimanufaturados e agrícolas tem sua composição exatamente idêntica àquela que o Brasil obteve em 1978.
São 40 anos em que o Brasil praticamente não fez mexer a agulha do componente tecnológico de suas exportações relativamente a outros países.
Trata-se de uma realidade alarmante. Quinze anos atrás o principal item da pauta de exportações brasileira eram os aviões da Embraer. Agora, a agregação de valor regrediu. Ficamos mais "commoditizados" em nosso perfil exportador.
Não estamos, nem de longe, realizando a contento a transição rumo a uma sociedade intensiva em tecnologias.
A China está fazendo esta lição-de-casa bem mais eficientemente que o Brasil. Como se dá a passagem para o novo mundo das tecnologias inovadoras? Ponto básico: aumentando o percentual que a sociedade e o Estado direcionam de sua riqueza poupada para investimento em ciência e tecnologia.
No momento em que a China deve ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo (pelo critério do produto nominal) daqui a dez anos, os chineses estarão investindo quase 3% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento.
O Brasil como um todo investe apenas 1% de seu PIB em inovação. E se examinarmos este baixo percentual com lupa, essencialmente 80% deste montante vêm de instituições estatais.
Se o setor privado brasileiro investe pouco —esfera que possui maior capacidade de traduzir tecnologia em produtos levados ao mercado— o benefício econômico do atual investimento é comparativamente muito pequeno.
E por que os empresários brasileiros não investem em tecnologia? Há um rosário de motivos culturais e patrimoniais, mas também algo eminentemente estrutural: empresas têm de pagar empregados atendendo a uma das legislações trabalhistas mais antiquadas do mundo, além de sujeitar-se a uma carga tributária de 37% do PIB, enquanto seus concorrentes são submetidos a uma carga bem menor: 23% no México, 26% no Chile e 26% na Coreia do Sul.
Claro que o Brasil dispõe de pessoal e empresas possuidoras de importante capital intelectual, mas esse recurso não é suficiente para a escala dos desafios.
Recentemente, buscamos paliativos. O programa Ciência sem Fronteirasparecia a primeira vista interessante, mas a dificuldade do Brasil não é de gerar grandes cientistas, e, sim, de gerar patentes, produtos e tecnologia comercializáveis.
É certo que uma empresa de alta tecnologia é uma unidade intensiva em talentos tecnológicos. Mas, ao se instalar no Brasil, a empresa vai ter dificuldade de contratar pessoas e lidar com a obtusa parafernália trabalhista e fiscal.
Assim, a maneira pela qual o Brasil consegue fomentar ou atrair esse tipo de companhia é oferecendo o vislumbre de grandes contratos governamentais e a perspectiva de que o mercado interno continuará de certa forma protegido.
Eis uma cruel barganha de que o Brasil ainda não logrou desvencilhar-se: só empresas que realizarem suas operações em território nacional gozam do acesso a essa proteção.
Ou seja, instalam-se no Brasil não por conta da grande competitividade, da qualidade da mão-de-obra, ou do ambiente de negócios que oferecemos aqui. Estabelecem sobretudo uma plataforma de revenda da tecnologia para o próprio mercado interno brasileiro.
Nesse sentido, as tão propaladas reformas estruturais brasileiras são também marco zero para o Brasil decolar em termos de inovação. Sem esta última na escala e velocidade de nossos concorrentes, o Brasil pereniza seu desconfortável status no pelotão intermediário das relações internacionais (Marcos Troyjo é Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas; Folha de S.Paulo, 23/11/17)