11/01/2018

Produção em rede no campo

Produção em rede no campo

A era digital começa a integrar plantio, manejo e colheita, com a coleta e processamento de dados para previsões e tomada de decisão.

O setor agrícola, e por consequência uma parcela importante do agronegócio, está diante de uma profunda mudança. É algo que pode ser comparado a outras duas grandes transformações: a chamada revolução verde, na década de 50 (baseada nos modelos extensivos de produção), e da biotecnologia, nos anos 1990, com a entrada das sementes transgênicas nas lavouras. Agora, na era digital, as fazendas não mais produzirão alimentos como antes.

Plantio, manejo e colheita estarão ligados por uma rede de informações que colocará o setor no mundo de sofisticada tecnologia. “A era digital mudou formas de trabalho, de comunicação e, por fim, chegou a vez do campo”, comenta Edney Valente, da Algar Agro (braço do grupo mineiro Algar e que atua na comercialização e processamento de grãos). A empresa saltou duas posições e conquistou o primeiro lugar no ranking do setor de Agronegócio do Anuário Valor Inovação Brasil.

Valente está à frente do departamento de inovação da companhhia que destina cerca de 5% do lucro líquido do grupo (R$ 152 milhões, em 2016), para a área, à procura de novas formas de eficiência e produtividade. Nos últimos três anos, a empresa term firmado parcerias com startups da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, em busca de alinhar a empresa à era digital. Por meio do trabalho com a Aimirim Soluções Tecnológicas Integradas, com foco na instalação da inteligência artificial, foi implantado um software que autocorrige os problemas nas caldeiras.

“Aumentamos a eficiência e reduzimos o consumo de 8% de biomassa (pedaços de madeira)”, informa Valente. Esse mesmo sistema se replica em outros processos, como o envasamento de garrafas pet. Para essa área, por sinal,  há outro projeto com uma empresa canadense que desenvolveu uma embalagem para óleo de soja, suco sem conservante, por exemplo, mais resistente à luz, oxigênio e gás carbônico. “Nossas máquinas acessam um banco de dados on-line para a resolução de problemas simples, com a intervenção remota de um técnico canadense, se for o caso”, explica.

Valente conta que o foco da empresa desde o ano passado se voltou para a indústria, ao contrário de anos anteriores, mais dedicados ao campo. “Mas não se trata de escolher um em detrimento de outro”, avisa. A prova de que a área de inovação está de olho em diferentes segmentos pode ser exemplificada pela parceria com a startup Intech Brasil, na produção de uma farinha à base de besouro (Tenebrio molitor) criado para essa finalidade, em substituição aos restos de peixe, ingrediente para ração de gatos e cachorros.

“Hoje vivemos a era da agricultura de informação, e não mais  a de precisão como no passado”, diz Roberson Marczak, gerente de inovação da Adama para a América Latina. A companhia, controlada pela gigante ChemChina, ocupa a segunda posição entre as empresas mais inovadoras do setor. Caiu uma posição em relação ao ranking do ano passado.

Para ele, a mudança de patamar está ligada a duas fases no campo: a da agricultura de precisão, adotada a partir dos anos 1990, ligada ao uso de equipamentos de georreferenciamento (GPS) que permitem maior precisão nas ações das propriedades. E a de informação, um conceito mais amplo, que envolve a coleta de dados na lavoura ao utilizar uma variedade de sensores e o processamento de dados para previsões e tomadas de decisão.

O processamento de grande volume de dados, popularmente conhecido como big data, permite o mapeamento de forma detalhada da produtividade da lavoura e contribui com o planejamento das safras pelos agricultores, Os dados apurados pela Strategy&PwC para esta terceira edição do anuário Valor Inovação Brasil mostram que o agronegócio tem muito a explorar esse serviço adotado por apenas 38% das 13 empresas consultadas para a pesquisa.

Segundo Marczak, a meta da Adama é oferecer o maior número de informações detalhadas e em tempo real para o produtor rural. Por isso a companhia tem ampliado a atuação do “agrodigital”, serviços virtuais oferecidos às mais diferentes atividades, como hortifrúti, cana-de-açúcar e maçã, por exemplo, que indicam as necessidades do cultivo à colheita. “No caso da cana, é possível obter uma radiografia por talhão, apontando a incidência de pragas e a aplicação de herbicidas, cuja dosagem e indicação do produto é calculado por algoritmo”, diz.

O executivo observa que o desafio da companhia é oferecer vários serviços de forma integrada “para que se faça jus à internet das coisas”, diz ele sobre a rede que interliga todos os objetos que se comunicam e interagem de forma autônoma via internet. “O objetivo é construir um grande guarda-chuva que vai disponibilizar informações de forma integrada sobre a lavoura por meio de drones, sensores, dados meteorológicos, preços das commodities, entre outros”, analisa. A empresa direciona 1,5% de seu faturamento para investimento em tecnologia.

Há um ano e meio a Syngenta, gigante global de defensivos e sementes – comprada pela ChemChina no ano passado -, trabalha em uma plataforma que disponibiliza informações (clima, condições de solo, perspectivas de safras, fontes de financiamento, por exemplo)  junto aos demais serviços oferecidos pela companhia. Dessa forma, o agricultor poderá ter controle e rápida ação no combate de ataques de pragas nas lavouras, por exemplo. “O objetivo é produzir um mapa interativo que facilite a tomada de decisão”, informa Celso Batistella, coordenador de marketing. A empresa faz sua estreia no Top 5, ocupando a terceira posição entre as cinco mais inovadoras do agronegócio.

Outro investimento da companhia está voltado para os canaviais, com um sistema de gestão da lavoura por meio de inteligência artificial. Conforme Leandro Amaral, diretor de marketing de cana-de-açúcar, 28 usinas já recebem esse tipo de monitorameno que antevê ataques de pragas como a cigarrinha e a broca-da-cana. “Esse mapeamento permite aumentar a produtividade em 20% por hectare”, informa – a média brasileira é de 80 toneladas por hectare. De acordo com Eduardo Fusaro, diretor da Stretegy&PwC, 61% das empresas ligadas ao agronegócio e ouvidas pela pesquisa estão em busca da melhoria na eficiência.

Segundo dados da consultoria McKinsey, a era digital é o caminho para isso, por meio de uma análise complexa de informações, podendo gerar ganhos de R$ 24 bilhões até 2019 nos campos brasileiros. Porém existem percalços: conexão rural ruim, ausência de um processamento centralizado (boa parte das tecnologias disponíveis não “conversa entre si”) e falta de uma rede mais robusta de radares e estações para monitorar o clima. No Brasil existem entre 700 e mil estações meteorológicas públicas e apenas 30 radares – somente nove deles em áreas agrícolas. Nos Estados Unidos há 30 mil delas e 150 radares cobrindo todo o território do país.

Mesmo assim, a Monsanto Climate Corp (a multinacional líder em biotecnologia adquiriu há quatro anos a Climate Corp, fundada por uma equipe de engenheiros de software e cientistas de dados que trabalharam no Google e em outras empresas do Vale do Silício “tropicalizou” uma tecnologia lançada nos Estados Unidos. Trata-se de um dispositivo que se conecta ao maquinário agrícola, recolhe todas as informações ligadas do plantio à colheita e as transmite para um tablet, em tempo real.

Os dados armazenados na nuvem permitem que o produtor tenha as informações integradas (plantio, monitoramento, pulverização, colheita e fertilidade do solo em uma só plataforma, acessível por celular, tablet ou computador. “A facilidade de capturar, transferir e interpretar essas informações de uma forma intuitiva é uma das grandes novidades”, explica Mateus Barros, líder para a América do Sul da Climate Corporation.

Há duas safras, a tecnologia vem sendo testada pela companhia por meio de 130 produtores de soja e milho de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, em uma extensã de 400 mil hectares. “O dispositivo gera mapas e relatórios em tempo real, permitindo a correção de problemas que comprometem o plantio e a colheita”, informa Barros.

Lançada oficialmente no final de maio, o custo da tecnologia é de R$ 15 por hectare. “Não é necessário ser cliente da Monsanto para adquiri-la”, esclarece Mateus Barros. O executivo acredita que o receio do compartilhamento dos dados da propriedade, que vão formar um grande banco de dados regional, seja dissipado diante dos benefícios da inovação. “As informações individuais ficam no anonimato. O acesso será apenas aos dados da mesma microregião”, informa. Nos Estados Unidos, 100 mil produtores utilizam a tecnologia que mapeia 35 milhões de hectares ao longo de três anos.

Fernando Degobbi, diretor financeiro da Coopercitrus, maior cooperativa rural do Estado de São Paulo, com 25 mil cooperados, informa que é cada vez mais forte a meta da empresa de investir em tecnologia no campo. “É o futuro, e os dados precisam ser de fácil acesso”, comenta. A cooperativa é a quinta colocada no ranking das empresas inovadoras do agronegócio.

O diretor conta que já três anos a Coopercitrus investe em um software que concentra em uma plataforma as informações obtidas no campo por meio de georreferenciamento. “O agricultor acessa imagens, dados sobre qualidade do solo, que permitem o uso de recursos de forma racional”, afirma. Segundo ele, o desafio é alcançar um modelo de processamento de dados mais detalhado e integrado, e levar esse serviço aos pequenos e médios produtores da cooperativa, que investe 1,5% do faturamento (R$ 2,9 bilhões em 2016) em inovação (Assessoria de Comunicação, 10/1/18)