08/01/2018

Quem deve se preocupar com o blockchain? - Por Alberto Perucchini

Quem deve se preocupar com o blockchain? - Por Alberto Perucchini

 

 


Acriptomoeda bitcoin ainda é a aplicação mais popular da tecnologia das cadeias de blocos, o blockchain. Mas existem muitos outros campos em que o blockchain pode gerar rupturas no setor financeiro. Uma das áreas mais promissoras é a extremamente complexa infraestrutura de pós-negociação.
Os mercados de capitais, pagamentos e serviços financeiros foram inicialmente previstos como o principal campo de aplicação do blockchain. A atual infraestrutura de pós-negociação, especialmente no mundo desenvolvido, é altamente complexa e fragmentada, repleta de intermediários e sobrecarregada por sistemas e tecnologias. Esses ambientes seriam, teoricamente, um terreno fértil para a ruptura tecnológica.
Para entender como o blockchain pode mudar os mercados, é fundamental compreender como funcionam hoje. Por definição, a infraestrutura de pós-negociação inclui todos os processos que acontecem depois de uma transação ocorrer, bem como o gerenciamento do ciclo de vida dos ativos. Isso envolve os seguintes seis processos-chave:
Clearing, realizada por contrapartes centrais — envolve gerenciar e assumir o risco de inadimplência e de liquidez da contraparte até que as partes da transação estejam prontas para liquidar o negócio;
Liquidação, feita mediante a entrega da garantia transitada em troca de um pagamento em dinheiro;
Operação depositária, realizada por depositários centrais de valores mobiliários — envolve a guarda e manutenção legal de valores em um “depositário central” em nome dos custodiantes;
Custódia, envolve a custódia de valores mobiliários em nome dos investidores finais, juntamente com a “manutenção de ativos”;
Registro, envolve a ligação com os emissores, a fim de garantir que tenham conhecimento da propriedade atual de seus títulos emitidos;
Emissão, realizada por registradores, emissores e depositários centrais de valores mobiliários — envolve a emissão de outros valores mobiliários por emissores e sua implantação nas plataformas dos depositários centrais.
Grande parte da complexidade e fragmentação do mundo pós-negociação surge desses vários participantes, que gastam tempo e recursos em reconciliação e gerenciamento de riscos para assegurar que as transações possam ser adequadamente realizadas. Isso tem consequências importantes no que diz respeito a eficiência. Transações que são acordadas em frações de um segundo, em última instância, são liquidadas muito depois de os negócios serem concluídos (dias, geralmente), com camadas de custos e taxas entre elas.
Uma solução de blockchain tornaria a liquidação quase instantânea, eliminando essas camadas de tempo, taxas, custos e riscos. Isso seria alcançado permitindo que os vários participantes finais tenham acesso a armazenamento de blockchain, títulos “tokenizados”, informações de propriedade notarizada e emissão, entre outros dados relevantes.
Essa infraestrutura poderia estar vinculada a um sistema de pagamentos baseado em blocos e contas de custódia de clientes finais, permitindo a liquidação de entrega versus pagamento.
Provavelmente também permitiria contratos inteligentes, a fim de fornecer serviços de ativos na cadeia, bem como outros serviços pós-trade. Claro, essa cadeia de blocos seria autorizada, gerenciada por uma entidade controladora (ou uma série delas) e com recursos de privacidade habilitados para cumprir os requisitos regulamentares.
A liquidação quase instantânea no mercado de capitais traria imensos benefícios — particularmente para os investidores finais e os emissores. Requisitos de capital seriam poupados, uma vez que o capital necessário para ser mantido para colaterais e provisões por perdas diminuiria.
Do mesmo modo, haveria uma redução geral do risco de crédito e de liquidez da contraparte, além de juros cobrados, custos operacionais e várias categorias de taxas vinculadas ao processamento pós-comercialização.
Sob uma estrutura de blockchain, a necessidade de existência contínua de alguns dos intermediários atualmente envolvidos em processos pós-negociação seria questionada.
A questão-chave é, portanto, quais atores possuiriam e operariam essa infraestrutura. Não há uma resposta simples a essa consideração. Os mercados envolvidos, bem como as jurisdições em questão, serão de suma importância.
Além disso, acreditamos que também será um fator determinante o grau de integração vertical das empresas em um determinado espaço pós-transação, bem como a dinâmica competitiva em jurisdições particulares e a abertura dos reguladores locais. Esses fatores serão essenciais para identificar os envolvidos.
Alguns campos podem ser designados como maduros para a ruptura do blockchain com muito mais certeza. As soluções de blockchain de ruptura em uma escala de massa são muito prováveis de surgir em mercados menores de ativos e derivativos não negociados em bolsa e relativamente não regulamentados. Também podem surgir em jurisdições com pouca ou nenhuma infraestrutura pós-transações pré-existente como, por exemplo, os mercados de fronteira que estão “saltando” de mercados de capitais limitados para os baseados em cadeias de blocos (Alberto Perucchini é analista da área ‘Próxima Geração’ do Julius Baer; Assessoria de Comunicação, 2/1/18)