15/09/2023

Real tem a 3ª maior queda frente ao dólar entre moedas sul-americanas

Real tem a 3ª maior queda frente ao dólar entre moedas sul-americanas

Foto de arquivo mostra notas de dólar em Westminster, Colorado — Foto Reuters Rick Wilking

Por Artur Nicoceli, g1

Em setembro de 2013, era possível comprar US$ 1 com aproximadamente R$ 2,30. Hoje, é preciso desembolsar quase R$ 5,00. Peso argentino é a pior moeda frente ao dólar.

 

Entre as principais moedas sul-americanas, o real teve o terceiro pior desempenho em relação ao dólar nos últimos 10 anos. De acordo com um levantamento da consultoria financeira L4 Capital e dados da plataforma financeira Investing, a moeda nacional perde apenas para o peso argentino e o peso uruguaio.

Na janela de referência, o peso argentino teve uma desvalorização de 98,37% de 2013 para cá — um reflexo da severa crise econômica que o país enfrenta há anos e que tem feito derreter o valor de sua moeda. Na esteira da crise argentina e com problemas próprios de inflação, o peso uruguaio teve um recuo de 70,24% no período. (saiba mais abaixo)

Já o real perdeu 54% de seu valor em relação ao dólar. Isso significa que os turistas brasileiros e as empresas que dependem de contratos feitos com base na moeda norte-americana sentiram o valor pago em suas transações mais que dobrar durante o período.

Mas cabe a observação de que a valorização do dólar não é só demérito da América do Sul. Há também um movimento de maior aplicação de recursos nos Estados Unidos, que valoriza a moeda.

Como os EUA são a maior economia do mundo, os investidores tendem a ter mais segurança sobre os retornos financeiros que terão e, assim, acabam voltando os olhos para lá em momentos de maior insegurança ou aversão ao risco para aplicações financeiras.

Nesta reportagem você vai entender:

Ranking de moedas sul-americanas

Veja abaixo o ranking da desvalorização das principais moedas sul-americanas em 10 anos, a partir da queda no preço de cada moeda frente ao dólar:

  • Argentina: o peso argentino teve queda de 98,37%;
  • Uruguai: o peso uruguaio teve queda de 70,24%;
  • Brasil: o real teve queda de 54,04%;
  • Colômbia: o peso colombiano teve queda de 51,82%;
  • Chile: o peso chileno teve queda de 43,50%;
  • Paraguai: o guarani teve queda de 38,72%;
  • Peru: o novo sol peruano teve queda de 25,24%;
  • Bolívia: o boliviano teve queda de 0,17%.

A Venezuela não pode ser considerada porque o país mudou de moeda nos últimos dez anos. Equador também não entra na conta porque a moeda oficial do país é o dólar, assim como a Guiana Francesa, que usa o euro. Guiana e Suriname não foram considerados no levantamento por falta de dados.

O real nos últimos 10 anos

Os últimos anos no Brasil foram fortemente marcados por dois grandes fatores: a crise de 2015-2016 e a pandemia da Covid-19.

No primeiro caso, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu nos dois anos, confirmando a pior recessão da história do país. Em 2015, a economia já havia recuado 3,8%, e no ano seguinte teve nova retração de 3,6%.

Essa sequência, de dois anos seguidos de baixa, só tinha sido vista no Brasil entre 1930 e 1931, quando os recuos foram de 2,1% e 3,3%, respectivamente.

"Isso prejudicou o real porque investidores não gostam de incertezas econômicas", afirma o sócio da L4 Capital. Com isso, houve um aumento pela demanda do dólar, já que os EUA são conhecidos como um país estável. Houve um forte movimento de vender real, o que reduziu o valor da moeda.

Já a pandemia influenciou a cotação da moeda brasileira porque o país decidiu abrir as torneiras dos gastos públicos para tentar amenizar o impacto da crise econômica. Essa decisão também gerou dúvida nos investidores sobre quais seriam as possibilidades de o país conseguir arcar com seu patamar elevado de dívida e manter uma agenda de austeridade fiscal.

Mais uma vez, a incerteza trouxe um movimento de migração dos investidores para países mais seguros. Tanto que o real perdeu cerca de 16,65% do seu valor frente ao dólar entre fevereiro de 2020 (quando começou a pandemia) e maio de 2023 (quando a OMS declarou fim de emergência em relação à Covid-19).

Veja a variação do dólar ante o real nos últimos dez anos:

Em setembro de 2013, início do comparativo, era possível comprar US$ 1 com R$ 2,2836. Hoje, é preciso desembolsar quase R$ 5,00.

Especialistas entrevistados pelo g1 dizem que há ainda outras razões que explicam a desvalorização da moeda brasileira nos últimos 10 anos e sua manutenção em patamares baixos.

Quanto ao primeiro ponto, Adilson Seixas, CEO da Loara Crédito, reforça que a alta dos juros nos Estados Unidos pesa no valor da moeda brasileira porque há uma migração dos investidores para economias com maior previsibilidade.

Trata-se da mesma dinâmica de preferir aplicações mais seguras e previsíveis, com o bônus de que os juros estão mais altos e vão render melhores retornos.

A expectativa é que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) mantenha os juros inalterados, entre 5,25% e 5,50% ao ano na próxima reunião, em 20 de setembro. Esse, porém, é o maior patamar em 22 anos.

Já o déficit fiscal — quando governo gasta mais do que arrecada — pesa no valor do real porque o governo precisa emitir mais dinheiro para suprir os gastos, ampliando o saldo negativo.

“Há mais dinheiro brasileiro circulando no mercado do que moeda norte-americana, o que desvaloriza o preço do real”, explica Rodrigo Leite, professor de finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nos dados mais recentes, as contas do governo federal registraram déficit primário de R$ 35,9 bilhões em julho — o segundo pior resultado para o mês na séria histórica, iniciada em 1997. E é exatamente o déficit que puxa o terceiro fator que desvaloriza o real: a dívida pública.

Leite, da UFRJ, justifica que o endividamento faz investidores enxergarem o Brasil com dificuldade de honrar com seus compromissos econômicos — e, assim, decidem também vender os reais para comprar câmbio de países mais seguros, derrubando o preço da moeda brasileira.

“A probabilidade de um calote do Brasil com uma dívida como agora, que tem 80% do PIB, é muito maior do que na época que estava por volta dos 50% do PIB, [em 2013 e 2014]”, afirma o professor.

Já quanto a instabilidade institucional, os especialistas justificam que as mudanças políticas recentes — sejam as mudanças de direção na presidência ou as relações ruidosas entre os Poderes da República — trouxeram imprevisibilidade para a cena política e econômica.

Assim, os investidores renovam os receios e voltam a procurar países onde conseguem ter segurança maior sobre as decisões político-econômicas, que podem ou não afetar os investimentos.

Resultado pior na Argentina

A pior moeda latino-americana frente ao dólar é o peso argentino. Quem quisesse comprar 1 dólar, em setembro de 2013, precisava pagar quase 5 pesos argentinos. Atualmente, a relação é de cerca de 340 pesos para US$ 1 — considerando, é claro, o câmbio oficial.

Nesse caso, os principais motivos pela queda no câmbio argentino são as políticas econômicas do governo e a dívida externa do país.

Allan Augusto Gallo Antonio, professor de economia do Mackenzie, justifica que no primeiro caso, o governo argentino “gasta tanto” que precisa colocar moeda em circulação para arcar com os custos recorrentes, o que desvaloriza o peso.

O excesso de moeda em circulação também tende a impactar a inflação. Atualmente, a Argentina vive uma inflação anual média que ultrapassa os 100%.

Quanto às questões externas, o país sul-americano tinha uma dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de aproximadamente US$ 45 bilhões.

A captação aconteceu principalmente em 2018, durante o governo de Mauricio Macri, que buscava segurar a crise cambial e tentou zerar o déficit orçamentário do país através de fortes ajustes de gastos em diversas áreas do governo.

“Hoje, [a Argentina] é o principal devedor do FMI e, em decorrência dessas variáveis, tem assistido sua moeda derreter”, afirma Gallo Antonio. Os dois motivos também afastam investidores, que buscam vender o peso argentino para comprar moeda de países mais seguros.

Vale destacar que as commodities são um terceiro ponto, ainda que com menos peso que os dois apresentados acima. Isso porque o país depende muito da exportação de carne, o que traz reflexos diretos na balança comercial e na receita em dólar na Argentina.

Veja do desempenho do peso argentino frente ao dólar:

Para tentar solucionar a desvalorização do peso, o governo argentino anunciou algumas medidas para tentar fortalecer a economia local, como linhas de crédito a taxas subsidiadas para trabalhadores e bônus para aqueles que recebem ajuda alimentar e aposentados.

Além disso, o governo também informou que vai eliminar impostos sobre a exportação de produtos agrícolas com valor industrial agregado — como vinho, arroz e tabaco — e a entrega de fertilizantes. É estimado um prejuízo global de US$ 20 bilhões em 2023, ou quase 3% do PIB, devido à seca regional.

O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, prevê ainda criar de um fundo de US$ 770 milhões para financiar exportações. O valor será via aportes financeiros do Banco Nación e do Banco de Inversión y Comercio Exterior (Bice).

O peso argentino sofreu forte desvalorização nos últimos meses — Foto Getty Images

Cotação do dólar na América do Sul

Veja abaixo a situação em outros países do continente.