Recuperação da renda tem o seu pior momento na história
Legenda: Trabalhadores se aglomeram embaixo do viaduto do Chá para tentar pegar senha
Não há paralelo de retomada tão lenta no Brasil após uma recessão, diz consultoria.
Nunca foi tão difícil para o brasileiro conseguir recuperar a renda após um período de recessão econômica —e o processo ainda corre o risco de se prolongar.
O padrão de vida medido pela chamada renda per capita, que divide o PIB (Produto Interno Bruto) pelo número de habitantes, estagnou ao redor de R$ 32 mil no Brasil.
O valor está 9% abaixo do pico, alcançado no primeiro trimestre de 2014 —ou seja, há 19 trimestres.
Observando a série histórica, a lentidão atual supera aquela que seria a pior até então, registrada após a recessão de 1989, segundo estudo feito pela consultoria AC Pastore, do ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore.
Naquele momento, a renda por habitante se situava 6,5% abaixo do teto após um período de 19 trimestres.
O estudo tem como base os ciclos recessivos registrados pelo Codace, um comitê de economistas alojado na Fundação Getulio Vargas.
Segundo a AC Pastore, o movimento preocupa, porque demonstra que o padrão de vida do brasileiro demora a se recuperar, o que coloca o Brasil ainda mais distante da renda de países desenvolvidos.
"Nesse ritmo de crescimento de 1% do PIB e da população, não voltaremos ao pico da nossa renda per capita nunca", diz Marcelo Gazzano, economista da AC Pastore.
O processo lento de reação da renda por habitante, diz o economista, também compromete a capacidade de consumo. Diante do baixo nível da renda per capita, não há como manter qualquer otimismo com relação à recuperação do consumo das famílias— componente que, ao representar mais de 60% do PIB, é crucial para a retomada.
Um dado adicional preocupante é que a renda per capita pode experimentar mais um ano de estagnação.
O per capita é o PIB dividido pela população do país.
Logo, se o crescimento econômico em 2019 corroborar a expectativa de um grupo cada vez maior de economistas e ficar próximo de 1%, é provável que o PIB per capita encerre mais um período sem reação, já que a população brasileira também cresce perto de 1%.
Como outras forças capazes de elevar o crescimento também não estão operando (entre elas o investimento), a consultoria projeta uma taxa de crescimento do PIB entre 1% e 1,5%, com chances maiores de que o PIB fique no limite inferior do intervalo —num círculo vicioso perverso.
Em reais, o PIB per capita está hoje ao redor de R$$ 32 mil, ou seja, se a renda fosse igualmente distribuída por toda a população, cada brasileiro teria pouco mais de R$ 2.500 por mês.
Só para dar uma ideia de grandeza, se o ritmo de recuperação fosse igual ao registrado em 1989, a renda per capita no fim de 2018 seria de R$ 33 mil —R$ 1.000 a mais no ano e R$ 80 a mais ao mês.
Mesmo após o período recessivo, diz Gazzano, em termos absolutos o PIB per capita hoje, de R$ 32 mil, é maior do que o de 1989, de R$ 24 mil em valores atuais.
"No longo prazo, teve evolução. Mas o ponto é que, após a recessão mais recente, a reação não veio. Só algo pequeno no primeiro trimestre de 2017, em razão do avanço do setor agrícola. Depois disso, o PIB cresceu exatamente o que cresceu a população", diz.
O per capita pode ser considerado uma medida de bem-estar da sociedade usada no cálculo do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), em conjunto com a escolaridade e a expectativa de vida.
Embora seja considerado uma medida de desenvolvimento do país, sozinho ele não conta toda a história.
Um país de renda por habitante elevada pode ser extremamente desigual (Folha de S.Paulo, 25/4/19)