STJ põe fim à briga entre tradings e produtores rurais
Empresas devem devolver próximo de R$ 35 mi a um produtor de MT, devido a arresto de mercadorias.
Os produtores rurais venceram uma batalha jurídica que se arrastava há muito tempo. Eles podem entrar com recuperação judicial sem estar registrados há pelo menos dois anos na Junta Comercial, como era o entendimento anterior.
Allison Giuliano Franco e Sousa, sócio do grupo ERS Consultoria e Advocacia, defende que o produtor está em uma situação de regularidade. Para ele, a inscrição é apenas um requisito formal, uma tese que acabou prevalecendo na Justiça.
Os diferentes entendimentos sobre o assunto geraram uma longa discussão judicial em Mato Grosso. Um juiz de primeiro grau deu ganho à tese de que produtores rurais não têm a necessidade de estar na Junta Comercial há dois anos para o início de uma recuperação judicial. A decisão ocorreu em Sinop (MT).
O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, seguindo a linha de que era necessário o registro por dois anos, revogou a recuperação judicial.
Em 2019, o escritório de Sousa entrou com recurso especial na defesa do produtor Alessandro Nicoli, na Terceira Turma. Paralelamente ao caso de Nicoli, a Quarta Turma julgava o processo de José Pupin, onde ocorriam os mesmos impasses.
“Conseguimos uma liminar no STJ (Superior Tribunal de Justiça) em maio de 2019, onde logramos suspender a decisão do Tribunal de Justiça e estabelecer, por liminar, a recuperação judicial do Nicoli. E o processo foi julgado este ano”, diz Sousa.
Em novembro de 2019, a Quarta Turma entendeu, na ação de Pupin, que deveria prevalecer a tese de dispensa da inscrição por dois anos. Tradings e bancos, no entanto, recorreram dizendo que ainda corria uma ação similar na Terceira Turma, e que esta poderia gerar um entendimento diferente.
Diante dessa situação, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso continuou revogando a recuperação judicial dos produtores. Com o final do julgamento do processo do produtor Nicoli, nesta terça-feira (6), houve uma fixação de tese, diz Sousa.
As duas turmas que discutem direito privado dentro do STJ tiveram entendimento que o produtor rural pode entrar com recuperação judicial com menos de dois anos de inscrição. Ele deve estar inscrito, e isso é uma condição obrigatória. Essa inscrição, no entanto, não precisa ter dois anos, afirma o sócio do grupo ERS.
“Houve uma pacificação do tema, e isso repercutirá em todas as ações do tribunal”, afirma ele.
Um dado importante dessa decisão, porém, se refere aos produtos —soja e milho— que foram levados durante a suspensão da recuperação judicial, que tinha sido determinada pelo Tribunal de Justiça.
Esses produtos agrícolas deverão ser restituídos a valores de hoje, diz Sousa. O arresto foi feito em um período em que a soja estava a R$ 62 a saca. Os valores atuais estão próximos de R$ 153 por saca, diz o advogado. O montante a ser devolvido pelas tradings ao produtor poderá chegar a R$ 35 milhões.
Na avaliação da Justiça, o credor, ao concretizar o arresto, assumiu o risco de fazer a devolução posterior.
Este é o primeiro caso no Brasil nesse sentido. E esse novo entendimento da Justiça chama a atenção para o aspecto de negociação da recuperação judicial. A briga não vale a pena. É necessária sempre a busca de uma negociação, antes do embate, diz o advogado (Folha de S.Paulo, 9/10/20)