Sumiço de soja dada como garantia de empréstimo de R$ 20 mi é investigado
silo no Porto Paranaguá. Foto undefined undefined
Banco Industrial do Brasil (BIB), especializado em agronegócio, afirma que empresa responsável por monitorar os grãos, a suíça SGS, teria omitido que soja não estava mais armazenada em silo
Um empréstimo concedido à trading de soja AFG em fevereiro de 2020 pelo Banco Industrial do Brasil (BIB), especializado em agronegócio, transformou-se em um caso investigado pela polícia.
Apesar de o empréstimo ter sido feito à AFG, a denúncia recai sobre uma gigante suíça, que foi contratada pela instituição financeira para monitorar a soja que era dada em garantia pelos créditos concedidos, segundo documentos obtidos pelo Estadão.
O caso segue sob investigação, depois de expedido um pedido de busca e apreensão para identificar provas sobre o caso – o que já foi realizado na sede da empresa que foi a responsável pelo monitoramento da soja, a SGS no Brasil. Isso porque o produto teria sumido do silo do porto antes de efetuada a exportação. O caso corre em sigilo de Justiça.
O empréstimo em questão foi de cerca de R$ 20 milhões (US$ 3,93 milhões), por meio de um título de crédito comum para exportadores, chamado de Adiantamento para Contrato de Câmbio, ou simplesmente ACC, no início de 2020.
Tais recursos tinham como objetivo viabilizar a venda de 20 mil toneladas de soja para uma empresa com sede em Cingapura, a CJ International Asia. Como é comum nesse tipo de transação, a mesma soja foi dada como garantia do empréstimo. Ou seja: em casa de inadimplência, os grãos mudam de mãos e vão para o banco, como pagamento do débito.
A AFG, uma distribuidora de grãos com sede em Cuiabá (MT), está em recuperação judicial desde outubro de 2020, com dívidas de cerca de R$ 650 milhões. Em seu pedido de recuperação à Justiça, a companhia disse que vinha em boa saúde financeira até 2019, mas que depois teve que recorrer ao financiamento bancário para aquisição de estoque e que a valorização cambial a pegou no contrapé.
Sumiço da soja
Antes da efetiva ida da soja ao seu respectivo comprador, o produto foi armazenado em um silo no Porto de Paranaguá, no Paraná, local onde deveria ficar até o embarque para Cingapura, que inicialmente estava marcado para 17 de agosto de 2020.
A SGS do Brasil , por sua vez, foi contratada pelo BIB para atestar e monitorar a manutenção da soja no local, além de sua boa qualidade, conforme contrato fechado em 2019. O acordo estabelecia que era obrigação da SGS comunicar o BIB sobre qualquer alteração da soja dada em garantia.
Conforme informações e documentos anexados à ação do banco, foram enviados relatórios diários pela SGS, até outubro de 2020, atestando que todas as 20 mil toneladas de soja estavam no silo. No entanto, com a aproximação do dia marcado para o embarque da soja, que coincidia com a liquidação do empréstimo com o BIB, a AGF solicitou um adiamento da data de pagamento para o início de outubro. Segundo o banco, esse adiamento só foi dado porque existia uma certificadora por trás do produto e, portanto, a certeza que a soja continuaria no lugar onde deveria estar.
Mas o que o BIB alega ter descoberto foi que a soja havia desaparecido – o que foi confirmado pelo órgão geral responsável pela gestão do Porto Paranaguá. A informação repassada foi de que a soja não estava mais no silo desde julho. Isso motivou a abertura do inquérito policial. À Justiça, a AFG disse que o embarque da soja foi feita por engano e que, por conta de um bloqueio judicial, seus estoques não puderam ser recompostos.
No entanto, a SGS, apurou o Estadão, informou à polícia ter seguido com seu trabalho à risca, inclusive tendo avisado ao BIB que, em outubro de 2020, não foi mais autorizada a entrar no silo pelo depositária da operação, a Transgolf. Em um email obtido pela reportagem, a empresa teria informado ao BIB que não teve acesso ao terminal e que a própria instituição financeira, ao tentar entrar no silo, teve seu acesso negado. Na mesma oportunidade teria também avisado ao banco de que teve notícias de que a AFG teria embarcado 20 mil toneladas de soja.
Em uma contranotificação enviada ao BIB, segundo fontes, a SGS destacou que que no 02 de outubro, isso ainda em 2020, a Transgolf informou que não e poderia enviar mais nenhum reporte sobre a soja e que essa determinação teria sido a pedido da própria AFG, a credora do BIB. Em seguida, a SGS teria informado o BIB sobre o ocorrido e que, dessa forma, não teria dito que houve qualquer descumprimento de contrato.
No entanto, segundo outro documento, obtido pelo Estadão, um dos funcionários da empresa de monitoramento disse à polícia que omitiu informações em seus relatórios por determinação de seus superiores. Por isso, que a decisão foi de determinar busca e apreensão na sede da SGS do Brasil, que fica em Alphaville (em Barueri, na Grande São Paulo). No entanto, nos bastidores, a empresa teria informado de que tais relatórios foram feitos utilizando como informação base a afirmativa do dono do silo de que a soja seguia armazenada - e que isso seria de pleno conhecimento do banco.
A SGS Brasil, informou, por meio de nota, que em cumprimento ao contrato firmado com o BIB, recebeu da Transgolf o registro diário do armazenamento e presença da carga de soja até 1/10/2020. “A partir de 2/10/2020, segundo a Transgolf, a AFG (devedora do BIB) determinou que os relatórios diários do armazenamento e presença da carga de soja não fossem mais enviados à SGS. Suspeitando do fato, a SGS comunicou-o formalmente ao BIB para adoção das providências cabíveis. A SGS segue colaborando com as autoridades policiais e espera que os responsáveis sejam identificados e punidos”, frisou.
Já a AFG, Transgolf e BIB não comentaram (O Estado de S.Paulo, 1/11/22)