Sustentabilidade: uma bússola para a agricultura – Por Celso Moretti
Celso Moretti-Foto Jorge Duarte
A produção de alimentos brasileira caminha a passos largos na direção de uma economia neutra em carbono.
À medida que cresce na sociedade global a consciência de que o nosso planeta tem recursos finitos, que necessitam ser usados racionalmente e com inteligência, aumenta também, de maneira proporcional, a preocupação com a sustentabilidade. Dentre inúmeras interpretações e definições possíveis, sustentabilidade pode ser considerada como um processo de reconciliação entre os sistemas humanos e a natureza – em especial a atmosfera, os recursos hídricos, os biomas e a diversidade de seres vivos que os povoam.
Se, em 2008, o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial apontava que os principais fatores de risco identificados por executivos em todo o mundo eram econômicos, em 2021 a situação é diferente. Um dos maiores fundos de investimento do mundo, por exemplo, adotou uma série de iniciativas para posicionar a sustentabilidade no coração da sua estratégia. Foi além: vaticinou que não existe negócio ou setor da economia global que não será afetado por mudanças do clima até 2050.
Diante disso, somente com união e foco claro na sustentabilidade conseguiremos nos adaptar e mitigar os efeitos das mudanças do clima. Vários países e empresas já fizeram seus compromissos na direção de uma economia neutra em carbono (net-zero economy). A China fixou o ano de 2060. O Brasil cravou 2050. Empresas do setor de proteína animal e de lácteos miram 2040. Para chegar lá, é importante que as métricas estejam claramente postas. Afinal, quem não mede não gerencia.
Uma das métricas que mais se destacam em todo o mundo é a conhecida por ESG – do inglês Environmental, Social and Governance. O conceito foi definido na Europa visando a viabilizar a medição dos impactos de investimentos, empresas e negócios. Há grande entusiasmo em torno dessas três letrinhas. A aposta é de que investidores e acionistas estarão cada vez mais interessados em ganhos sustentáveis de longo prazo. Por sua vez, consumidores estão clamando por produtos mais sustentáveis (eco-friendly) e comportamento corporativo responsável.
Mas partir do discurso para a ação leva tempo. E não é trivial nem barato. A maior parte dos compromissos de redução de emissão vem de empresas que estão procurando reduzir os gases de efeito estufa (GEEs) ligados diretamente ao negócio que possuem ou controlam e da geração de energia, calor ou vapor. São os chamados escopos 1 e 2. Por outro lado, apenas 25% das empresas se comprometem a reduzir suas emissões em elos que não são controlados diretamente por elas, como transporte aéreo e cadeia de suprimentos (escopo 3). O detalhe é que as emissões associadas ao escopo 3 podem estar relacionadas a mais de 50% das emissões das diferentes empresas em todo o mundo.
É um cenário desafiador. A onda ESG vai impactar a produção de alimentos no Brasil. A agricultura e os sistemas alimentares são altamente dependentes de recursos naturais como água, solo e biodiversidade – além de serviços da natureza, como decomposição de resíduos, ciclagem de nutrientes, controle de erosão, polinização, sequestro de carbono, entre muitos outros. Dependem também, basicamente, de energia fóssil.
A boa notícia é que a agricultura brasileira vem, há décadas, investindo em descarbonização, com tecnologia agrícola e políticas públicas robustas. Os resultados são claros e palpáveis. Código Florestal, Plano Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) – que agora entra em sua segunda década (ABC+) –, Renovabio e PronaSolos são políticas públicas que apoiam a agricultura brasileira na direção da sustentabilidade. Plantio direto, integração lavoura, pecuária e floresta e fixação biológica de nitrogênio, entre outras, são tecnologias amplamente adotadas que contribuem para a descarbonização. A agricultura de baixo carbono está, definitivamente, na agenda da inovação.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e parceiros já lideram o desenvolvimento de tecnologias e práticas “carbono neutro”, concebidas para bem posicionar a agricultura e os alimentos do Brasil diante das métricas que definirão produção e consumo sustentáveis no futuro. Em 2019, lançamos a carne carbono neutro. Neste ano, iniciamos o programa soja de baixo carbono. Leite, café, algodão e bezerro de baixo carbono estão a caminho.
Em novembro próximo, teremos a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021 (COP-26), em Glasgow. O mundo inteiro discutirá o que pode ser feito para enfrentarmos as mudanças do clima de forma efetiva. Em agosto passado, o presidente da COP-26, Alok Sharma, visitou o Brasil. Conheceu, na Embrapa, o sistema de integração lavoura, pecuária e floresta. Ficou atônito. Mais espantado, ainda, quando soube que os solos são verdadeiros sumidouros de carbono. Mais precisamente, 30% de todo o carbono está ali aprisionado. Entre uma foto e outra e num vídeo que viralizou nas redes sociais, disse: “Vocês precisam mostrar isso para o mundo”.
A produção de alimentos brasileira caminha a passos largos na direção de uma economia neutra em carbono. Como ele disse na ocasião, precisamos mostrar isso para o mundo. Não há tempo a perder (Celso Moretti, é presidente da Embrapa; O Estado de S.Paulo, 18/10/21)