28/04/2020

Tempestade perfeita do etanol inclui inépcia dos ‘pseudo líderes’ do setor

Tempestade perfeita do etanol inclui inépcia dos ‘pseudo líderes’ do setor

Por Ronaldo Knack

“Uma indústria moída. Mais de 120 usinas de etanol não devem produzir uma gota na atual safra. A secura não tem necessariamente a ver com o coronavírus. São empresas que bambeiam entre a recuperação judicial e a falência” Relatório Reservado, 27/4/20

 

A “tempestade perfeita” – termo que empregamos para noticiarmos, em primeira mão, a crise que está levando a cadeia produtiva canavieira a nocaute -  junta, ao mesmo tempo, a maior queda dos preços globais do petróleo, os efeitos brutais que derrubaram a nossa economia pelo Covid-19 e a inépcia dos ‘pseudo líderes’ desta que já foi apontada como uma das principais atividades da economia brasileira.

 

O setor conseguiu reunir as atividades de toda a cadeia produtiva no movimento “Grito pelo Emprego e pela Produção” em 1999. Pela primeira e, infelizmente, última vez, produtores de cana, usineiros, indústria de bens de capital e serviços e trabalhadores trabalharam com com foco numa agenda única.

 

O movimento derrubou a determinação do então presidente FHC e do governador de São Paulo Mário Covas de dar o troco ao setor que não os apoiou nas campanhas eleitorais que os elegeram. Os usineiros que sempre foram incompetentes na construção de pontes com os políticos decidiram à época apoiar os candidatos do PMDB.

 

E, deu no que deu!

 

Com mobilizações em todas as regiões produtoras do País, com atos de bloqueio de estradas e distribuição gratuita de etanol nas principais cidades dos polos de produção de cana, Covas se curvou e levou as lideranças do setor para uma reunião com FHC no Palácio do Planalto.

 

Com o anúncio de políticas públicas reivindicadas na agenda única dos elos da cadeia produtiva, o setor iniciou sua recuperação e até 2007 dobrou de tamanho, saltando de moagem anual de 300 milhões de toneladas para 600 milhões. Novas usinas foram construídas e todas as outras se modernizaram.

 

Em outubro de 2007, nós aqui do BrasilAgro, anunciamos que o presidente Lula tirou do seu radar os biocombustíveis e olhava já, com muita avidez, para o pré-sal e os cofres da Petrobras. Daí em diante, o setor iniciava o mais trágico processo de autofagismo da sua história agravado com a chegada da atrapalhada Dilma Rousseff à Presidência da República. Ao mesmo tempo, os elos da cadeia produtiva canavieira se desfaziam fazendo com que os interesses dos usineiros se opunham à indústria de base, aos fornecedores de cana e aos trabalhadores.

 

Dirigentes da Única, quando questionados sobre ações que pudessem  freiar a crise, tinham uma resposta pronta e sob medida para justificarem sua omissão e incompetência: “Queremos que o governo defina o que quer do nosso setor. Vamos esperar...”

 

De novo, deu no que deu!

 

Em uma reunião no gabinete do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), então presidente da Comissão de Agricultura e Reforma do Senado Federal, foi sugerida a criação de uma audiência pública para discutir a crise do setor sucroenergético. O senador, autor da sugestão, impôs apenas uma condição: reunir os lobistas da Raízen (associação da Shell com a Cosan), da Copersucar, da Única e os representantes dos fornecedores de cana e dos trabalhadores.

 

Tentativas foram feitas mas prevaleceu o interesse individual de cada um dos nomes sugeridos pelo senador. É claro e óbvio que os interesses de cada um destes grupos não são convergentes. E assim caiu por terra mais uma tentativa de se conseguir virar o jogo a favor do setor que já vivia as agruras da pior crise da sua história.

 

Na manhã do dia dia 3 de fevereiro de 2015, no Palácio dos Bandeirantes centenas de pessoas aguardavam o anúncio de medidas para socorro ao setor. Dias antes, lideranças sindicais representando os trabalhadores com o apoio de Roberto Rodrigues, então presidente da Única – União da Indústria da Cana-de-Açúcar, articularam com o governador Geraldo Alckmin a criação de uma Frente de Governadores de Estados Produtores de Cana-de-Açúcar.

 

O governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo, tinha sido escolhido para liderar este movimento ao mesmo tempo que os trabalhadores  e os fornecedores de cana se organizavam para uma grande marcha de protest em Brasília. Aos mesmos moldes do que fora feito em 1999.

 

Para surpresa de todos, Alckmin recuou, convencido que fora por um dos seus secretários que na verdade representava os interesses de conhecido grupo de usinas. Ou seja, interesses deste pequeno mas bem articulado grupo, passaram a ter maior relevância do que os interesses de 2 milhões de trabalhadores e 25 mil fornecedores de cana.

 

Por teimosia, lideranças dos trabalhadores se reuniram com Geraldo Alckmin dias depois no Palácio dos Bandeirantes. Depois de três horas de tensa reunião, o sindicalista Antonio Vitor, hoje presidente da Federação das Indústrias  da Alimentação do Estado de São Paulo, anunciava que Alckmin viajaria na manhã seguinte para Goiânia onde seria feito o anúncio da criação da frente.

 

Com o boicote dos usineiros a Única passou a ser rotulada como entidade que representava não o interesse do setor do etanol, do açúcar, da bioeletricidade, mas sim das grandes distribuidoras de combustíveis conhecidas por suas manobras e ações contra o livre mercado dos combustíveis.

 

O futuro do setor canavieiro é tenebroso e não há ninguém que arrisque um só dado positivo para suas atividades. Toda e qualquer medida de apoio que venha do governo será insuficiente para evitar a tragédia anunciada. É claro que há aqueles que por competência ou esperteza sairão favorecidos da crise instalada.

 

Mas o rastro de usinas desativadas, de indústrias de base quebradas, do aumento dos níveis de demissões no setor e o colapso dos pequenos, médios e grandes fornecedores de cana, são previsíveis. Já há produtores de cana migrando para outras culturas, principalmente a soja, já que o milho também é problemático .

 

A Única, que nunca foi única, não representa a indústria brasileira da cana-de-açúcar. O Fórum Nacional Sucroenergético não tem força e nem expressão nacional. Os fornecedores de cana se dividem entre as regiões Centro Oeste, Nordeste e Norte. Entidades como a Orplana, que já tiveram importante papel na cadeia canavieira, simplesmente emergiram. A indústria de base, outrora forte e representativa, não tem mais nenhuma relevância.

 

A falta de novas lideranças no setor colabora para o desastre que aí está. E quem pensa que já passamos pelo pior ou que temos soluções para a crise, que se prepare pelo que ainda vem por aí. Infelizmente...(Ronaldo Knack é fundador e editor do BrasilAgro. É também jornalista e bacharel em Administração de Empresas e Direito)